segunda-feira, 3 de agosto de 2015

É chegada a hora de dar tchau

Após longos oito anos, eu tomei uma enorme decisão. O blog precisa acabar. Eu venho lutado fortemente contra a maré da vida nos últimos meses, numa posição muito difícil, longe das pessoas que eu mais amo, longe do meu país e sufocada por uma cultura estranha. Durante muito tempo eu pensei que não queria viver, que precisava da morte para acabar tudo, para sentir paz interior, porque a vida em si é muito caótica, em trânsito tende a ser infernal.

As relações têm me mostrado que preciso amadurecer e muito muitas ideias. Preciso recriar uma autoestima que a sociedade na minha volta fez questão de destruir. Preciso acreditar que tenho direito sim de ter amor, de querer uma família, de querer ir além e que não há nada de errado com esse pensamento. Preciso acreditar, acima de tudo, que mereço mais, que mereço melhor.

O blog não tem culpa nenhuma disso, ele é apenas parte de um processo, de uma longa caminhada que eu dei início na faculdade e que eu encerro na entrada do doutorado. Acho que, como todas as coisas da vida, teve um belo início, meio e fim. Mas como diz a banda Las pastillas del abuelo, "hay que saber quando parar".

Não é o fim da minha vida virtual, pelo contrário, acho que agora eu posso finalmente partir para uma plataforma mais política, mais voltada para o meu tempo e onde eu exponho menos a minha vida e mais o meu elaborado e refinado pensamento como comunicadora. Não é privação, afinal eu sempre fui uma pessoa mais aberta e, apesar de por muitos anos ter me sentido mal por ser assim, hoje eu percebo que é importante dividir e compartilhar.

Não vou excluir esse pedaço da minha história. As páginas daqui, que preenchem buscas do Google com o meu nome, vão seguir on-line. No entanto, eu preciso dessa pequena morte. Acho que foi Mia Couto até que disse, em algum dos muitos livros que eu já li dele, que às vezes a gente precisa se matar para seguir vivendo. É mais ou menos isso.

Depressão é um ciclo, não uma doença, não uma desculpa. É um ciclo que vai e vem e todo mundo vive e tem sua importância em viver o círculo até o fim. Mas cabe a cada um saber quando é hora de transformar a roda em reta e seguir adiante. Agora que se foi minha crise dos 6 meses, que começou a nascer em mim um desprendimento dos que estão distantes, que surgem finalmente no horizonte as novas perspectivas, agora é a minha hora.

Vou subir nesse trem antes que seja tarde. Não é uma busca por felicidade, porque feliz eu sou e muito. É aceitar que, depois de muito lutar contra as ondas de um mar bravo, a maré vai me levar se eu flutuar calma e tranquila.

Se o amor não me trouxe esse conforto, então dele que eu não posso depender ou esperar mais nada. As pessoas que me amam de verdade tem me mostrado isso a cada dia, que quando o sentimento é real, tudo se dá um jeito, sem conflitos, sem brigas, sem destruir casas e vidas. Aquilo só causa vontade de descer poço abaixo não pode ser alimentado e sim exorcizado, mesmo que aos poucos, no tempo de cada um.

Que venha mais um porto na minha vida, afinal sou amaldiçoada (ou abençoada) por cidades que têm um escape fluvial para o novo mundo. Que agora sim nasçam as amizades verdadeiras que hão de nascer em terras lusitanas, que agora venha o amor que eu tanto preciso e as novas oportunidades de ser amada como mereço. Que venham novos estudos, novos debates.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Saudades

Pequenos pingos, chove lá fora. O cheiro de terra fresca sobe com o mormaço. O calor e as essências, que se misturam com frutas da estação e filtro solar, me lembram muito de casa. Não é saudades, é nostalgia. É acordar no meio da noite com a certeza de que se está em casa, sentido o ambiente acolhedor e imaginando que a sua mãe está na cozinha preparando café.

Sim, senhores, são quase seis meses já. Passou rápido, quem diria? Para os que fizeram suas apostas, agora é a derradeira hora de comprovar o resultado. É aqui que posso encher a boca e dizer que tenho saudades, saudades da minha casa, dos meus gatos, da minha família, dos meus amigos, de comer um churras, de beber chimas na Redença, de frequentar a Cidade Baixa, de ver um filme na Olaria, de andar de Cohab lotado, de ir ao Barra, de passear na Orla, de viver Porto Alegre ao seu máximo.

Saudades que se dá em cada ponto, em cada vírgula. Tudo começa a se transformar em motivo para lembrar de algo, alguém, uma história. Ao mesmo tempo, as histórias vão ficando cada vez mais estórias, mais vagas e nebulosas. Os amigos seguem, distantes, na tela do computador. A vida em Lisboa começa a ter um ritmo lento, parece que estabilizou, mas logo vem uma nova etapa.

Hoje está chovendo e esses são os dias, poucos, raros, em que eu me sinto mais sensível. São os dias em que eu quase confundo Lisboa com Porto Alegre, em que eu busco pelo Mercado Público e subo a Avenida da Liberdade me sentindo na Independência. Esses são os dias em que aquela dor que incomoda todos os dias se torna insuportável. Ainda bem que aqui chove uma vez por mês.

Nesses seis meses eu vivi uma vida. Eu conheci poucas pessoas, mas eu já ganhei uma família, por isso sei que se eu estivesse em Porto Alegre agora, eu sentiria o mesmo por Lisboa: saudades. Apesar de ser pouco tempo, as relações foram intensas e a cidade cresceu em mim. O país me encanta a cada dia e as raízes se formam e se fincam no chão, me prendendo a essa terra.

O peso rola na balança do voltar e ficar todas as noites. Deitada na cama eu deixo a nostalgia me guiar pelas ruas do meu Porto. Enquanto eu crio certezas de que meu lugar é aqui e devo ficar, crio incertezas sobre o futuro, sobre as mudanças por vir. E, ao mesmo tempo que se sabe tudo, não se sabe nada.

Viver fora não é uma busca pela felicidade inatingível. É, sim, uma procura constante pelo lar que se deixou para trás, é cotidianamente racionalizar o que se sente e se dividir em duas pessoas para seguir vivendo. Deixar o seu país é estar aqui sorrindo à mesa de uma casa portuguesa, mas sem deixar de pensar no que estão fazendo as pessoas que você ama do outro lado do Atlântico. É quase como ser um agente secreto, pois temos que mascarar sentimentos, mastigá-los e engoli-los boa parte do tempo.

Aprender a lidar é impossível. Não tem uma regra, ou um conjunto de regras, que explique como não surtar. A gente acumula e desaba constantemente. Aos poucos é que a gente começa a perceber que vive num ciclo, como o da lua, e que tem dias e dias. Quando chove, é inevitável não marejar os olhos e não pensar no caos da Esquina Democrática, com abulantes vendendo sombrinhas a qualquer custo.

Não tem segredo mesmo. Depende de cada um. As pessoas me perguntam hora ou outra como faz para sobreviver. Não se faz, se sobrevive apenas. A gente acaba se contentando com gostos e cheiros, com fotos e conquistas dos amigos, com uma conversa de Skype com a mãe e os gatos. As crises vem e vão, como o sol nasce e se põe.

Às vezes, vamos ter pessoas maravilhosas e compreensivas a nossa volta, para dar um colo, um abraço e dizer que está tudo bem. Outras, vamos afundar sozinhos num buraco negro de sentimentos escuros e só nós mesmos poderemos nos salvar. O importante é saber, como diz o Wander Wildner, que não se "consegue ser alegre o tempo inteiro", mesmo estando em Porto Alegre.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Sobre amor e liberdade

Let Them Talk by Hugh Laurie on Grooveshark

A gente sempre acha que nunca vai amar de novo. Quando fecha-se um ciclo, nossa primeira reação é pensar que c'est fini e colocamos em nossas cabeças que não queremos mais sentir aquilo. Isso acontece porque, muitas vezes, vemos os relacionamentos de uma maneira muito distante da realidade. Criamos expectativas em relação a alguém antes dessa pessoa existir. Quando finalmente nos envolvemos, pesamos medidas e escolhemos entre ser/estar com ele ou a nossa liberdade.

Amar não precisa ser uma escolha cheia de exigências. Eu aprendi e sigo aprendendo que é, sim, possível estar com alguém, valorizar aquilo e manter nossa liberdade. No início, eu não acreditava que isso fosse praticável, porque assim como os outros, eu fui doutrinada para a monogamia e para achar que estar com alguém é tomar posse e ter o controle. Grande erro, pois ao tomar posse de alguém, sufocamos a pessoa e nos limitamos a viver muito pouco, estragando toda e qualquer possibilidade de se ter algo mais e perdendo um tempo imenso de vida, afinal, os 20 não voltam.

Não existe segredo, a verdade é que é preciso se desprender de si mesmo e aceitar que somos TODOS livres, homens, mulheres, todos mesmo. Quanto mais liberdade você exige e oferece, menos você realmente precisa dela e mais vontade você tem de estar na gaiola do amor. A certeza de que você pode simplesmente levantar, sair e fazer o que quiser, é o que te dá confiança numa relação. Não o oposto, como a maioria pensa.

As pessoas complicam demais e tiram conclusões precipitadas. Também tem o fato de que vivemos ainda em uma sociedade extremamente machista e a liberdade sexual da mulher só ocorre num plano de luta. Sofremos com isso, uma vez que somos constantemente repreendidas por pessoas que nos cercam. Entretanto, não podemos nos deixar abalar com isso e fazer o que esperam de nós. Aliás, expectativa é algo que se pode abolir do vocabulário, se você quiser ser feliz. Em qualquer sentido!

Quanto menos você esperar da vida, mais ela te surpreende e mais possibilidades ela te oferece. Não é ser pessimista, é não ser otimista. É aproveitar aquele instante com aquela pessoa e ESTAR com ela, de fato. Se deixar envolver sem prender e prender-se. Aquela história de deixar a gaiola aberta que o passarinho volta é verdade. Coloque em prática, ame a você mesmo antes de tudo e não trate as pessoas como insubstituíveis, pois ninguém é, em nenhuma plataforma da vida.

Não existe nada melhor do que deitar e rolar com alguém sem saber o que será do amanhã, sem planos futuros. É o famoso "sem compromisso". Mas veja bem, não é assim por medo de ter algo sério, tudo pode se transformar em algo sério um dia. É justamente o contrário, assumir que hoje é sem compromisso, porque amanhã pode ser com. É permitir que o outro tenha o mesmo que você, é igualdade e respeito. Isso é amor. É querer sempre o melhor para ambos os lados e não apenas um anel no dedo e um papel assinado.

segunda-feira, 23 de março de 2015

Drama?

Nos últimos dias eu estou vendo na prática como é ter 20 poucos anos e ser consciente disso. Vou explicar: recebi uma super educação da minha mãezinha. No grito ou não, ela me ensinou a cuidar das minhas coisas, a viver num ambiente limpo, a valorizar as pequenas doações em prol de um cotidiano melhor. Eu cresci levantando cedo todo dia e arrumando minha cama, guardando minha roupa, fazendo meu próprio nescau. O legal de sair de casa é que você percebe o quão único você se torna porque você realmente lava a louça, cozinha, lava roupa, sabe usar material de limpeza e, pior, gosta de viver num ambiente que segue pequenas regras.

Morar com uma galera é engolir toda a sua boa educação em seco, fechar os olhos, respirar fundo e regredir muitos anos da sua vida. Num primeiro momento você tenta estabelecer um raciocínio, tenta mostrar vantagens, mas logo é vencido pelo cansaço e uma pilha de louça que ocupa a pia da cozinha há 3 ou 4 dias. Mesmo tendo um excelente relacionamento com algumas pessoas da casa, você não se sente em casa. E nunca vai! Porque você é o problema. Meu estopim foi hoje, ao ouvir que estou fazendo drama. Claro, a situação se deu por problemas mais graves que uma louça, entretanto, me fez parar para pensar, se eu que sou mimada, ou eles que são relaxados demais.

Como eu disse para um grande amigo meu, o que me deixa mais triste é saber que pessoas que jogam lixo em qualquer lugar, cagam e andam pro meio ambiente, vivem na sujeira e acham limpeza perda de tempo, são o futuro da nossa humanidade. Sim, esses são os jovens de 20 e poucos anos que em breve, muito breve, vão tomar o mundo. Vovó já dizia que a convivência fode as relações, mas pelo que eu estou vivendo, eu posso admitir que para os jovens de hoje, não existem relações, porque é uma idiota como eu fazendo tudo e o resto de boa, achando que o melhor é "ver no que dá".

Acho essa atitude mesquinha e brochante, quase tão péssima quanto a tentativa da Risqué de fazer uma linha de esmaltes femininos agradecendo aos homens pela "ajudinha no cotidiano". Essa publicidade péssima ilustra muito do que eu estou dizendo. Lavar uma louça e fazer um jantar não é um favor e não deve ser agradecido. Limpar, cozinhar, estar presente é fazer parte de relacionamento, seja amizade, seja mais que isso, é se comprometer com os outros, se colocar no lugar deles e, principalmente, não fazer o que você não gosta que façam para você.

Morar em grupo te faz perceber o quanto as pessoas são egoístas e pensam só na sua situação. Quando some algo delas é que elas abrem a boca e reclamam, é quando elas querem impor regras. Quando você reclama de papel no vaso sanitário ou cabelo no ralo você é fresca. Quando desaparece algo do bem comum, as pessoas dão de ombros, acham soluções temporárias (lê-se: gambiarras) e seguem suas vidas. Quando alguém tem que ligar para algum serviço (água, luz, gás, assistências técnicas no geral) é aquela lamentação com lamúria do "pra quê se está bom assim?". Dá uma depressão ver gente que não consegue ter um mínimo senso de autoliderança querendo dominar o mundo.

Como lidar? Não sei, minha válvula de escape tem sido rir disso tudo, lavar mais louças e seguir a vida. Também preciso eu aprender a relevar um pouco mais. A única coisa que me preocupa é me tornar uma dessas pessoas, jamais.

sexta-feira, 20 de março de 2015

HAHAHA só que não!

Passei rindo, nos últimos dias, da ignorância que marchou às ruas do Brasil. Mas hoje, parando para pensar com mais clareza, eu percebi que a gente não deveria mesmo rir e desmoralizar quem protesta sem saber o motivo, o tom e a que lado pertence. Por pior que sejam as pérolas, esse desconhecimento generalizado, tanto da história brasileira, como da constituição, não deveria ser motivo de riso e essas pessoas não deveriam ser ridicularizadas. 

Ao rir desses indivíduos, nos tornamos tão ignorantes quanto, pois nos rebaixamos a um nível em que não somos mais capazes de entregar conhecimento e, na nossa, arrogância, nos convencemos que somente nós podemos governar a todos. Grande mentira, não só porque não está ao nosso alcance, como também não é e nunca será nosso direito. Vindo de um sistema democrático, devemos sempre, em qualquer ocasião, respeitar a opinião alheia, mesmo que ela choque, mesmo que ela coloque o dedo na ferida, isso é liberdade de expressão. Sim, existe uma linha tênue entre ela e o preconceito, entre ela e a calúnia. Mas dissecando as manifestações, ao rirmos dos ignorantes de classe média alta que, com seu conhecimento de escola particular, não conseguiram demonstrar um mínimo discernimento dos fatos, nós endorsamos um péssimo discurso e aumentos o conflito entre "direita" e "esquerda", "norte" e "sul", 99% e 1%. 

Esse gap já é gigante e debochar dos outros só faz aumentar. Por que não tomar uma posição de, ao invés de ridicularizar, educar, explicar, mostrar, sem deboche, que existe uma história, uma série de leis, um sistema a ser seguido? Por que não utilizar isso para repensar a educação brasileira? O que mais me deixou pasma nesses protestos foi exatamente isso, o nível do nosso ensino escolar. Gente, até a Globo, que manipula em favor da direita há anos, já fez uma série de filmes detonando a ditadura militar (entre eles cito Batismo de Sangue e O Ano em que meus Pais Saíram de Férias, que são bem fortes). A internet está aí também, com uma série de materiais sobre o quão duro foi aquele período. E não é só isso, fico perplexa com a falta de conhecimento sobre a economia mundial. As pessoas pedindo irracionalmente para a Dilma baixar o preço do dólar. 

Precisamos voltar àquele tempo em que se ensinava na segunda série a preencher cheques, porque educação monetária e econômica era importante. Hoje as crianças saem do ensino fundamental sem nem saber ler, pois nessa adoção do 9º ano permitimos que o ensino decaísse, valorizamos demais a meritocracia e a decoreba pra passar no vestibular. É isso que dá, formamos indivíduos que conseguem fazer uma prova com 90 questões interpretativas em 5h, mas que não conseguem processar as informações, discuti-las e formar opinião própria embasada sobre qualquer assunto. Parem e pensem, não é questão de ensinar a constituição nas escolas, como quer o Romário, mas de mostrar que ela existe, que ela contém nossos direitos e DEVERES como cidadãos e que elas está disponível para nós em múltiplas plataformas. 

Não é exigir que uma criança saia da primeira série lendo e fazendo cálculos, é mostrar pra essa criança, desde cedo, a vantagem de saber ler, de saber interpretar e opinar criticamente. É incentivar as pessoas a irem além das suas capacidades e, não, aceitar simplesmente que se passem todos de ano sem saber os conteúdos básicos para sobreviver, por simples pena da autoestima da criança. Não é rodar também, é ensinar de verdade, ao ponto que não se precise rodar, que não se precise decorar pra passar no vestibular, e, mais ainda, que não se precise ouvir tanta asneira nas ruas em tempos atuais.

sexta-feira, 6 de março de 2015

Geração mind the gap

Smile Back At You by Mind the Gap on Grooveshark
Nasci em 1989, um pouco antes da queda do muro de Berlim. No Brasil, primeiras eleições diretas desde os anos 60. Minha geração é a geração do gap, ou seja, a que mais sofreu mudanças de contexto ao longo do tempo, na minha opinião. Crescemos a última infância na rua, dentro das cidades. Assistimos praias quase desertas serem transformadas em centros urbanos de costas para o mar. Somos filhos da democracia, vivemos mais tempo em sistemas políticos de esquerda do que os nossos pais, no entanto, a maioria de nós é de direita.

Nós encerramos a era dos analógicos. Fomos os últimos a usar celular sem internet, a ter fotos impressas e conhecer o processo de impressão proveniente do filme. Quem nasceu em 1989, tem um gap nos álbuns de fotos, aliás. Provavelmente os seus vão até 2002, depois tudo se tornou digital. Muitos de nós não têm registros da transição, afinal o filme acabou antes que se tivesse dinheiro para comprar máquinas tecnológicas, ou ter computador.

Fomos nós que tivemos que aprender como se vive fora de regimes e ensinamos nossos pais a votar, a agir politicamente. Nós, intermediários de um mundo de papel e algoritmos, que demos início a revolução digital. Nós mudamos o ensino, agora é proibido bater e apanhar. Tudo é no diálogo, mesmo que seja on-line.

Nossa geração é a primeira a debater abertamente o aborto, a legalização das drogas, a pena de morte. Nossa geração não tem medo da fome, nem de bala perdida, convive demais com a violência. Queremos todos mudar o mundo, mas não sabemos nem mudar nós mesmos. Somos pouco gananciosos, queremos que o mundo nos tome e não que nós tenhamos de tomá-lo.

Somos filhos de pais separados. Reinstauramos o amor livre, não queremos compromisso, mas amamos tudo e todos. Somos todos indignados, mas não aguentamos um debate com mais de 30 minutos.

Tivemos de aprender a ler de novo na fase adulta. A ler fragmentado, a escrever com apenas 140 caracteres. Mudamos a forma de se comunicar e perdemos o controle disso para as gerações milenares.

Somos frustrados porque nascemos na época errada. Invejamos os anos 80. Somos nostálgicos do que nem se quer vivemos.

Esquecemos como era legal escrever uma carta em um papel colorido, como jogar cartas fazia o tempo passar mais rápido que o Facebook e que, quando faltava luz, a gente se divertia e não se entediava. Viemos do tempo em que o tédio não era uma preocupação real.

Os nossos problemas não foram curados com remédios, mas com educação, em uma época em que pais e escolas se uniam em prol dos nossos futuros. O nosso mundo foi menos competitivo, os que vem atrás precisam se esforçar cada vez mais para tudo. Nós ainda somos perdoados, afinal estamos no gap.


quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Identidade de viagem - PARTE 2

30 dias. Era cilada gente. Ao desembarcar aqui conheci o amor da minha vida. A convivência e a intolerância destruíram qualquer possibilidade de florescer esta paixão. Cometi uma série de erros comuns também, como acreditar e confiar numa pessoa que conheci ontem e não sei de onde vem, para onde vai. Normal, quando viajamos, os conceitos de tempo e laços são totalmente diferentes. Viver um dia pode ser muito mais intenso que viver um ano. Mas errar é humano, pena que não é muito perdoável. Também eu não soube perdoar, ainda. É incrível como nos magoamos e decepcionamos fácil e rapidamente com as pessoas. O bom disso tudo é que eu vejo que estou amadurecendo emocionalmente, finalmente, pois percebi que minha situação era absurda e soube sair no momento certo. Perdi um amor, uma amizade e alguns euros, mas saí com dignidade e não deixei de viver a minha vida por ninguém.

25 anos, não é idade pra ser mãe. Não foi isso que eu vim fazer na Europa. Uma coisa que nos escapa ao fazer intercâmbio é o que estamos de fato fazendo. Em parte pelo deslumbre da novidade, em parte porque simplesmente estamos ocupados aprendendo tudo, fazendo tudo e conhecendo tudo. No entanto, é importante sentar e refletir, de tempos em tempos (pode ser um exercício diário), quais os nossos reais objetivos, não só do intercâmbio, mas da vida daqui pra frente, já que este momento incerto pode mudá-la pra sempre. Quando me perguntam quanto tempo vou ficar em Lisboa, dou de ombros, não sei, a vida toda e eu pensava isso de Porto Alegre também.


Aí vem outra tarefa, desgarrar-se e aceitar que agora somos apenas nós duas, eu e minha consciência. Não é que não se possa ter alguém, claro que se pode e deve, mas este alguém (ou estes) vai surgir com o tempo, aos poucos, com as pequenas coisas, com conhecimento. Confiança é algo que só se dá assim, on daily basis, com provas cotidianas de que é possível entregar sua vida a alguém e vice-versa. E não estou falando de romance, não, minha gente. Isto vale para amizades também, vale para tudo. Até porque, e repito isso para mim mesma em alto e bom som todos os dias, não somos obrigados, NUNCA, a lidar com os problemas alheios. Não precisamos pagar pelos erros dos outros cometidos no passado. Por isso eu sei que ainda não estou pronta para encarar uma vida em família da noite para o dia, porque eu ainda não desejei isto e não me aconteceu por acidente. Eu soube me cuidar para chegar nos meus 25 anos e poder ser livre para viajar, tomar um porre, sair num dia de semana e ter um certo limite de irresponsabilidade que eu ainda considero natural ao meu ser.

Cada um com o seu dilema. Está aí um bom mantra. Não lidar com a merda alheia não quer dizer ser irracional ao ponto de desrespeitar os outros. Isso é outra coisa que estou aprendendo nesta viagem: respeito é mútuo e essencial entre culturas. Desde que cheguei já fui considerada muitas coisas ridículas porque sou diferente e venho de uma cultura way mais liberal. No início fui muito tolerante e compreensiva, afinal sou eu que estou invadindo estas terras. Mas aí me lembrei que respeito nem sempre quer dizer submissão. Não importa onde eu estiver, tem certas coisas que eu não vou e não quero nunca me calar diante, entre elas estão desrespeito com o corpo da mulher e violência contra crianças. Aliás, violência de uma maneira geral. Quando não existe respeito pela condição alheia, não existe relação bem-sucedida.

E o mais importante de tudo é viver as experiências, absorver o que houve de bom e exorcizar o mal porta a fora. Não existe depois pior que o antes, isto tem que ser inaceitável a toda a gente. Como dizia mamãe: "depois de cair, levanta, sacode a poeira e vamos embora!". E é bem isso, porque a vida não é o que nos resta, pelo contrário, a vida é uma excelente oportunidade de começar de novo a cada nascer e pôr do sol.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Paranauês

Quando você pousa em terras lusitanas, sua vida corre o risco de se tornar um inferno da burocracia. Eu aprendi isso a duras penas, vivendo todas as experiências e fazendo para desfazer. Como sou uma pessoa legal, vou dividir com você algumas dicas importantes!

A primeira coisa que você tem que fazer ao chegar é o NIF, uma espécia de CPF. Como fazer? Muito simples, você pega seu passaporte/visto e convoca um português que more com você ou no mesmo bairro (isto é muito importante) e vai até uma Financeira. Fica pronto na hora, custa em torno de 10 euros. Vão dizer que você precisa de contrato de trabalho e mil documentos, mentira. Com o seu passaporte, e os documentos do português que resida com você (BI), fica pronto na hora. É apenas um papel com um número, mas o valor é inestimável, vão te pedir NIF para tudo.

Segundo passo é embarcar no metro (aqui eles pronunciam métro) e ir até a estação Marquês do Pombal (linhas azul e amarela) para fazer o cartão Viva. Com este cartão, você anda livremente no transporte público com uma carga de 35 euros/mês. Se você não fizer o cartão, vai pagar por trecho e gastará fácil 20 euros em 5 dias. Para o cartão, você precisa do papel que te dão na estação mesmo, duas fotos 3x4 e seu passaporte. Se tiveres o NIF, melhor, mas senão, não tem problema.

Depois disso, você precisa colocar seu PB4 em prática. Lembra dele? O seguro saúde que você tirou no Brasil para fazer o visto. Exatamente, ele não funciona aqui sem o Cartão Utente. Como fazer? Parte chata, o NIF tem que estar no seu endereço de residência, aí você junta todos os documentos que tem, todos mesmo, e vai no Centro de Saúde da sua freguesia. Eu moro na Ameixoeira, minha freguesia é a Santa Clara, mas meu Centro de Saúde é o Lumiar. Sim! Complicado, mas aqui vai um link que ajuda.

Feitos estes paranauês, hora de sair e tomar uma cerveja. Mas, e sempre tem um mas, cuidado com o que você fala, não esqueça que o português daqui é outra língua, então aqui vai uma lista de coisas que são importantes ter conhecimento:

1) NUNCA, em hipótese alguma diga "fazer um bico", bico = sexo oral.
2) Malhar quer dizer transar, aqui academia se chama ginásio e se treina. Em vez de musculação, eles "usam as máquinas".
3) Percebe quer dizer entende. Sempre vão te perguntar "percebes?"
4) Pica aqui não é pênis não! Pica é gíria para vontade, por exemplo, "que pica de ir ao shopping", sim, bizarríssimo.
5) Pila, a moeda gaúcha, aqui é pênis.
6) Sandes = sanduíche
7) Tudo em Portugal vem com café ou com sopa, sempre que perguntarem, diga sim, mas lembre-se de perguntar se está incluso no menu, ou vai tomar um susto com a conta
8) Eles usam mais "adoro-te" que "eu te amo"
9) Os nomes dos filmes são ditos em inglês
10) Puto é menino, ok, essa todo mundo sabe. Gajo(a) é gíria para guri(a). E, miúdo(a) é criança
11) O 6 eles dizem 6, não "meia". E as horas é em quartos, por exemplo, 19h45 é "um quarto para as 20h"
12) "Deitar fora" quer dizer jogar coisas no lixo
13) Prepare bem a mala de remédios, aqui corticoide e antibiótico só com receita médica LOCAL e a dipirona é proibida em território português, sim, chateadíssima
14) Sumo = suco ou refrigerante
15) Qualquer biboca aqui tem guaraná
16) O VTM (Visa Travel Money) não é aceito em qualquer lugar, aliás, é pouco aceito
17) Não existe telentrega de farmácia por aqui D:
18) Piada = graça, por exemplo, fazer algo engraçado tem piada, ou seja, tem graça... Sim, vá entender?
19) Para os alérgicos de plantão: gamba aqui é camarão!!!
20) No futebol, eles dizem penalt (pronuncia penááált) em vez de pênalti e dizem "fora da linha de jogo" para impedimento (não conhecem essa expressão)
21) Por mais gratuito que tenha sido seu PB4, qualquer coisa que acontecer com você, se você for parar no hospital, já marchará em 20 euros de consulta médica e todos os exames/medicamentos serão cobrados também. O interessante é que você não é obrigado a pagar na hora, pode escolher pagar numa data futura :)
22) Malta é a gíria para "gurizada" e eles têm até um drinking game com isso
23) Várias palavras aqui são femininas, ao contrário do Brasil, como a carne vazia (que equivale mais ao nosso patinho, mas é uma tentativa de vazio)
24) Eles dizem registar, em vez de registrar e eu sempre, SEMPRE rio incontrolavelmente :/
25) E, na minha opinião, a pior de todas, eles pensam MESMO que no Brasil a selva amazônica está por tudo, que é sempre quente e que há um risco iminente de ser metralhado por um motoqueiro ao andar na rua (?)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Identidade de viagem - PARTE 1

Fazer intercâmbio significa ir muito além da mudança física. Ao me inserir neste contexto, eu pude reparar como somos frágeis e influenciáveis seres humanos. Dias antes de viajar, uma viagem que ainda não tinha confirmações, pois meu visto estava sendo processado, até o último minuto, eu iniciei um processo espiritual de preparação para o embarque. Não, não é medo de avião. É que eu me dei conta, ao fazer as malas, que ir para outro país nos exige uma cultura, uma identidade local que será esperada com bastante expectativa do outro lado do mundo. Foi neste momento, que eu descobri que eu não tinha pátria, nunca fui brasileira, não tinha camiseta nem bandeira para ostentar meu nacionalismo, não tinha nada que representasse meu Estado, exceto por uma cuia de chimarrão.

Para construir-se é preciso matar-se sem morrer, e eu passei a última semana em crise existencial, jogando fora partes de uma personagem, que sai de cena, e adquirindo peças para montar uma nova pessoa. Não é tarefa simples, principalmente quando somos conscientes do feito. Viajar é mudar a cada segundo, é levar o mundo nas costas, estar no ponto de chegada e perceber que não se é mais dono de nada e que por alguns dias você não existe em cadastro ou sistema nenhum. É não ter com quem chorar e rir, é saber que há um vazio, mas um vazio proposital para que novas memórias e laços de afeto sejam criados.

A saída é um desprendimento que se dá aos pouco, cada documento feito, cada coisa que vai encontrando seu lugar e significando mais um dia riscado no calendário. São dias sem dormir e preocupações com as coisas mais inúteis. Chegar também não é fácil. Há uma nova família te esperando, de amigos, de relações ainda frescas e por moldar. Eu cheguei em uma casa onde tudo literalmente está por ser construído, da cama aos laços, tudo precisa de muito trabalho. Essas coisas dão vontade de desistir, até que você a oportunidade que a vida te da de usar isso em benefício próprio. Afinal, fazendo que se aprende.

Como lidar com aquela sensação de não pertencer quando você pisa num país xenofóbico e em forte crise econômica e sente que é aqui que você deve passar o resto da vida? Ainda não sei ao certo. Apesar da construção gaúcho-brasileira, me sinto mais europeia cada dia que passa. Defendo esta terra como meu lar, mesmo ainda não tendo estabelecido isto aqui. Há saudades, mas também existe uma nostalgia do que eu ainda nem vivi aqui.

Não posso negar, tive sorte. Encontrei amor em terras lusitanas, ou quase isso. Não importa onde a gente vá, sempre buscamos algo ou alguém que nos dê força para seguir em frente e levantar da cama todos os dias. E eu tinha esquecido como podia mesmo ser boa essa letargia da paixão. Como amar pode nos fazer bem, se a gente deixar o medo de lado. Tarefa difícil a parte, quando a gente consegue, tudo fica mais bonito, mais leve, mais fácil. E é isso aí, minha gente, agora é só sorrisos.